terça-feira, 14 de maio de 2013

Linhas Tortas

Fatima Dannemann


Lindinha entra na sala. Lindinha? Bom, na verdade, uma menina normal, sem grandes atrativos, mas nem tão feia assim. Na hora da cera, esperando a hora de bater o ponto e ir pra vasa, ela entra num chat. “Vou brincar um pouco”.
E Lindinha resolve teclar com Diretor.
- Deve ser algum surfista se passando por alguém importante. Um garotão, aposta.
Puro engano. Diretor diz ter 49 anos, casado, mas não se dá bem com a esposa, se mostra alguém gentil, sensível. Parece entender os problemas da Lindinha, de apenas 23 anos, recém formada em informática, trabalhando para um provedor de Internet.
- Casado é esparro... mas na Internet ninguém é de ninguém, pensa a garota...
E vão conversando todos os dias, na mesma sala, no mesmo horário. Lindinha fica angustiada quando os “lugares” estão todos ocupados. “E se meu diretor sumir?”
Mas, o diretor nunca some. Por incrível que pareça ele está sempre lá. Ela cai, trava, mas o Diretor parece estar acima dos males que afetam os freqüentadores de chat. Nada de travação, nada de quedas como acontece com outros internautas.
- Puxa, você sempre aqui. Nunca cai...
- Tenho uma conexão especial, responde o Diretor.
A menina fica ainda mais encantada com aquele senhor, com idade de ser seu pai, claro, casado, tudo bem. Mas, oh, como ele a ouve, como aconselha em seus problemas. Escolhe até vestidos para ela ir a boite com os amigos. “Use azul. Gosto de azul marinho e com certeza vai lhe cair bem”.
Um dia vem o assunto: “Gostaria de lhe conhecer pessoalmente. Vamos marcar alguma coisa, por favor”. O Diretor se mostra reticente. “Marcar o que? Onde? Sou casado, e bem casado. “ Lindinha, como tantas outras, mente: “ora, só estou aqui para fazer amizade. Transas e namorados tenho fora da net a hora que quiser”. Não é bem assim. Perdeu o seu namorado para uma garota que ele conheceu – ironia do destino – na Internet. Ele inventou que estava ocupado e foi passar o final de semana com a garota numa praia. Desiludiu-se. A moça não era lá essas coisas fora do chat, mas Lindinha não quis ele de volta. Preferiu o “Diretor”, que aliás ela só sabia o primeiro nome.
Finalmente marcaram num badalado shopping. Depois do serviço. “Mando a foto para me reconhecer. Mas, como vou lhe achar?” , Lindinha perguntava. “Não, não precisa foto. Você me encontra. Vou estar de terno azul marinho e lhe levarei um ramo de rosas amarelas ”.
Lindinha caprichou nos preparativos. Pretinho básico novo em folha. Cabelereiro, maquiagem discreta, perfume recém-comprado. ‘Noa, é suave e gostoso”. Custou o olho da cara, mas ela pagou no cartão de duas vezes sem juro. “O coroa merece”. Lindinha nem notou que o chefe estava charmoso de terno azul marinho e olhava para o relógio sem parar. Foi no shopping que ela descobriu...
- Chefeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee?
- Mariana?
E Lindinha perdeu o emprego por usar os computadores da empresa para conversar no chat depois do serviço.

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