quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Nem todas as mães são felizes


Fatima Dannemann

Numa imensa tela chamado planeta terra, imagine uma grande cidade brasileira. Nessa grande cidade, uma pacata rua residencial de um bairro chamado nobre. De manhã cedo, na porta de um açougue um bem sucedido profissional liberal vai fazer compras quando ouve um chiado vindo da lata do lixo. Ao investigar, o homem descobre um bebê de poucos dias de nascido. Atuando na área de saúde, ele dá os primeiros socorros ao menino, leva para casa, chama as autoridades. Enquanto o juiz espera que a mãe apareça – contra a vontade do homem que chegou a pensar em dar um lar ao menino – o bebê morre num hospital e o homem chora arrependido por ter entregue o menino. Outra cena. Uma jovem doméstica, 20 e poucos anos, compra citotec num bairro da periferia. Engravidou no carnaval, talvez nem saiba quem é o pai, e resolveu “extrair” o indesejado. O menino morre, mas a mãe, com complicações e hemorragia, é internada as pressas num hospital do SUS. Escapou por pouco.

Esses são apenas dois exemplos reais de problemas cada vez mais comuns no Brasil e no mundo desde a segunda metade do século XX. As mudanças no comportamento sexual, que se tornaram mais liberados e escancarados provocam efeitos colaterais como gravidez precoce ou indesejada, abortos e mesmo o abandono de recém-nascidos, apesar dos meios contraceptivos não serem mais nenhum mistério na vida de adultos e adolescentes de qualquer idade, grau de instrução ou classe social. Proibido no Brasil, salvo por umas poucas exceções legais, o aborto mata anualmente 220 mulheres em 100 mil. Os internamentos chegam a mais de 400 por cem mil e as taxas superam as de países em que matar o filho, durante a gestação, é consentido, como Estados Unidos, Inglaterra e Japão.



Polêmica


Abortar ou não é um assunto que divide homens e mulheres em todo o planeta. As feministas radicais dizem que ter ou não ter filho é problema exclusivamente delas – curiosamente nenhuma pensa no pai da criança ou no próprio direito que o menino tem de viver. Igrejas, espiritualistas e juristas são contrários. “O direito a vida é inviolável”, dizem os juristas que condenam o aborto. Espiritualistas e alguns cientistas condenam com outras bases. Uma delas é a crueldade imposta a alguém ainda incapaz de se defender. E para sustentar suas posições apontam as pesquisas feitas em hospitais de Londres – paraíso dos abortos, aliás – que fetos sentem dor.

“Pior é abandonar o filho no mato”, diz L., doméstica, que fez quatro abortos, “não me arrependo e faria de novo”. Nem todo mundo pensa assim, no entanto, especialmente mulheres que viveram a experiência de perder um filho espontaneamente (25 por cento das gravidez não chegam ao final por motivos naturais). “Tenho RH negativo. Só conseguir ter meu bebê depois de perder o segundo bebê. Foi muito triste. Hoje temos três crianças, mas meu marido e eu não superamos a dor da perda dos dois primeiros que nem chegamos a conhecer”, lamenta uma mãe que não se identifica para justificar que “exatamente por saber como é doloroso que eu jamais tiraria um filho”.

Muitas mulheres não chegam a abortar mas largam a criança em qualquer matagal próximo a maternidade. Foi num mato próximo a Maternidade de Cajazeiras, em Salvador, que passantes encontraram Maria Aparecida, com dois dias de nascida, chorando de fome, e sem nenhum dado de quem seria sua mãe. O nome foi dado por enfermeiras do Hospital Roberto Santos, para onde ela foi levada, e por jornalistas que cobriram o fato. Dias depois, a mãe da menina apareceu arrependida. Contou que engravidou escondido da família, que não sabia quem era o pai da menina e não tinha recursos para manter a criança. “Preferi deixar para adoção”, contou ela.



Números


São oito milhões de crianças abandonadas no Brasil. Em São Paulo, segundo estatísticas de uma ong ligada a infância, a cada dois dias alguém “esquece” o filho numa lata de lixo ou num matagal. Organizações ligadas a criança ficam lotadas de bebês a espera da adoção que muitas vezes não chega. “Os casais preferem gastar rios de dinheiro com tratamentos de fertilização e inseminação artificial que as vezes nem dá certo do que adotar uma criança”, dizem pessoas ligadas a área. Mesmo assim, a porcentagem das crianças que chegam aos orfanatos ainda é pequena comparada com as 8 milhões de crianças que vivem nas ruas, sendo que dois milhões delas acabam envolvidas em crimes, drogas e prostituição. Na Bahia, segundo dados extra-oficiais, morre pelo menos uma criança de overdose de crack nas ruas da cidade.

Cazuza dizia que “só as mães são felizes”, mas há quem discorde. Depois de abandonar as filhas e perder o pátrio poder, C., faxineira de uma grande empresa, tentou recuperar a guarda das crianças internadas num orfanato baiano. Foi quando descobriu que as meninas haviam sido levadas por um casal misterioso e adotadas por famílias italianas. Anos depois, C. conseguiu ir a Itália. Uma das meninas não a recebeu. A outra mandou um recado: “você deixou de ser minha mãe no dia em que me largou na rua”. A vida de C. nunca mais foi a mesma, mas as das filhas, ela mesmo reconheceu, “mudou para melhor”.

- publicada opriginalmente em 2004 em outro site

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